terça-feira, julho 17, 2007

O Imperador e o Rouxinol (cont.)

Um belo dia chegou um presente para o imperador. Era um pássaro mecânico, feito de ouro e prata e de pedras preciosas. Quando lhe era dada corda com uma chave dourada, o pássaro cantava uma das canções do rouxinol, movendo ao mesmo tempo a sua cauda brilhante. Fora um presente do imperador do Japão.
O pássaro mecânico cantava muito bem e, para mais, cantava sempre a mesma canção. O rouxinol verdadeiro cantava como o coração mandava, umas vezes com alegria, outras com tristeza, umas vezes alto e bom som, outras muito docemente.
- Este pássaro mecânico nunca o desapontará, Vossa Alteza Imperial – afirmou o músico principal da corte. – Para além de que é muito mais belo do que o rouxinol verdadeiro.
Foi por isso decidido que era preferível o pássaro mecânico ao seu congénere vivo, pois o rouxinol verdadeiro aproveitara-se de toda aquela agitação para fugir pela janela e regressar à liberdade da sua vida na floresta.
Só os pobres, que eram por vezes autorizados a ouvir cantar o pássaro mecânico, é que abanavam a cabeça e diziam para si mesmos que não, que algo faltava ali, que aquilo não cantava tão bem como um pássaro verdadeiro.
E eis que se passou um ano. O rouxinol mecânico ocupava o seu lugar sobre uma almofada de seda colocada à esquerda do imperador, o que indicava uma posição de grande privilégio. Mas um dia, quando, como de costume, deram corda ao pássaro com a chave dourada, este limitou-se a dizer: «Crrr. Crrr.» Tinha cantado tantas vezes que o mecanismo estava gasto.
Felizmente, o relojoeiro principal da corte conseguiu fazer a reparação no pássaro, mas avisou que, de futuro, este não deveria cantar mais do que uma vez por ano.
Passaram-se diversos anos, e o povo da China foi informado de que o seu imperador estava gravemente doente, pálido e frio, deitado na sua magnífica cama. Os cortesãos estavam tão certos de que ele estava prestes a morrer que começaram mesmo a desviar as atenções para um outro homem que seria o novo imperador.
A meio da noite, quando o luar banhava o seu quarto de luz através da janela aberta, o imperador foi visitado por medos e fantasmas.
- Canta – suplicou ele ao rouxinol mecânico que se encontrava a seu lado, na esperança de esquecer a angustia que o invadia. Mas não havia ninguém para dar corda ao maravilhoso pássaro, por isso este manteve-se em silêncio.
De repente, o imperador conseguiu aperceber-se de um som maravilhoso que vinha da janela aberta. Tratava-se do verdadeiro rouxinol, empoleirado num ramo de árvore, cantava docemente. Enquanto cantava, a febre que atacava o imperador foi acalmando e a doença começou a abandoná-lo.
- Muito obrigado, passarinho – disse com uma voz entrecortada. – Não mereço a tua ajuda depois da maneira como te tratei, mas agora deverás permanecer no meu palácio e cantar para mim todos os dias.
- Não, Alteza – respondeu o rouxinol. – Não posso viver num palácio, mas virei de bom grado cantar do lado de fora da vossa janela tantas vezes quantas puder. Farei também algo mais por vós: tratarei de pôr-vos a par do que as pessoas mais pobres do país pensam e sentem, uma coisa que é impossível saber quando se vive rodeado de cortesãos ansiosos por impressionar. Mas tendes de prometer jamais contar a alguém aquilo que ando a fazer.
O imperador assim fez e adormeceu de seguida, caindo num sono profundo e repousante. Quando os criados vieram finalmente espreitar o velho imperador que julgavam morto, encontraram-no bem vivo e a sorrir, pronto para retomar as rédeas do poder.
Aquele imperador reinou durante muitos anos, mais sábia e justamente do que antes, mas manteve o segredo do rouxinol até ao fim dos seus dias.

[Contos de Hans Christian Andersen]

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